Cidacs Informa - Velhos desafios para um novo tempo
Boletim mensal temático do Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs/Fiocruz Bahia) - Edição de Janeiro de 2022
Enfrentar e reconstruir
Reconstrução. Essa é a palavra que sintetiza parte do desafio que será enfrentado pela atual gestão federal. Os últimos anos foram de graves retrocessos, com enfraquecimento da capacidade de coordenação nacional do SUS pelo Ministério da Saúde (MS), é preciso retomar e dar novo fôlego aos princípios de universalidade, equidade e integralidade, que devem direcionar as ações do nosso sistema de saúde.
A pandemia de Covid-19 agravou e tornou ainda mais evidente o cenário de desigualdades na saúde, que deverá ser objeto de atenção do governo. Com a liderança de Dra. Nísia Trindade, o MS tem nas mãos o desafio de impulsionar políticas e ações capazes de atender os mais vulneráveis.
Nesta edição, reunimos alguns de nossos estudos focados nas desigualdades em saúde. Traremos a discussão da atual crise dos Yanomamis, e sem perder de vista o povo preto, que vive essas desigualdades de diferentes formas. As inequidades no Brasil são visíveis e se revelam na própria distribuição espacial. É preciso redistribuir as oportunidades.
Para além disso, nossos sistemas de vigilância em saúde precisam de inovações que considerem as desigualdades. Também é preciso atenção para doenças milenares, que ainda matam ou incapacitam, como é a tuberculose, a hanseníase e as arbovirores, que ameaçam a vida desde a gestação. Há muito que se caminhar nesse projeto de reconstrução.
Boa leitura!
Clarissa e Kari do NCD
Desigualdades raciais na saúde 🛶
O ano mal começou e já temos mais um alerta de como as questões de raça/cor deixam marcas na situação de saúde de pessoas pretas e indígenas. E, diante da grave crise atual dos Yanomamis, trazemos aqui estudo publicado em outubro de 2022, que já indicava a situação dos povos indígenas brasileiros. O artigo mostrava que o racismo mata desde os primeiros anos de vida: 14 vezes a mais por diarreia entre as indígenas; 2 vezes mais por desnutrição para crianças de mães pretas. Os dados foram publicados em artigo liderado pela pesquisadora associada ao Cidacs, Poliana Rebouças, e foi publicado no The Lancet Global Health. 📑
Neste artigo, as pesquisadoras já destacavam a necessidade de uma reação imediata, não apenas no cuidado, mas de forma estruturante, com a Política Nacional de Saúde Integral do Povo Indígena. Muitas dessas desigualdades foram objeto de análise de trabalhos apresentados no Abrascão 2022, em Salvador.
Veja mais sobre o estudo aqui.
Povo preto 👩🏾🦱
Assim como os povos indígenas, os estudos com grandes bases populacionais mostram que o povo preto também necessita de políticas específicas, que visem combater o racismo estrutural que ataca uma parcela importante da população brasileira antes mesmo do seu nascimento. Em matéria recente, foi discutida a criação de ferramentas para mensurar o impacto do racismo na saúde das pessoas. Listamos alguns dos estudos que reportam essas situações:
Desigualdades raciais em saúde e a pandemia da Covid-19
Racismo: desde a infância estimando a expectativa de vida
População negra e Covid-19: reflexões sobre racismo e saúde
Mulheres expostas ao racismo têm maior chance de sofrer Transtornos Mentais Comuns, aponta estudo
Estudo quantifica vulnerabilidade das meninas no Brasil e revela desigualdades raciais
Nossas cidades desiguais 🏚️🏠
Outro fator central na análise das desigualdades diz respeito às condições de moradia, que impactam diretamente no acesso a oportunidades que cada grupo populacional terá, e a redistribuição também passa pelo aspecto espacial. Mesmo que cada um desses grupos viva geograficamente próximo, eles utilizam serviços distintos, possuem níveis de oportunidades e riscos diferentes. Pesquisa do Cidacs identificou uma associação entre segregação e homicídios, na qual o índice de segregação está associado ao crescimento de até 50% no número de homicídios. É o que acontece em municípios como João Pessoa, Aracaju e Brasília, identificados pelo estudo como os mais segregados do Brasil. Quer saber mais? Leia aqui.
Idade 📆
Além disso, nossa juventude vive ameaçada pela violência. Em artigo publicado no periódico Science Advances, lançado pelo projeto Salurbal, foi constatado que a idade é o fator de risco mais importante para a mortalidade. O estudo levou em consideração 742 áreas metropolitanas com 100.000 residentes ou mais, em 10 países da America Latina que integram o projeto e nos Estados Unidos, para levantar dados sobre a população e a mortalidade.
Direito de crescer 🤰🏿
Embora desde os anos 90 o Brasil tenha dado passos importantes para diminuir a mortalidade infantil, ainda há desafios que começam desde a gestação e que o governo atual deverá lidar:
As nossas crianças estão sobrevivendo aos primeiros anos de vida, mas com as políticas sociais adequadas essas taxas podem melhorar. Estudo realizado a partir da Coorte de 100 milhões de brasileiros, publicado na PLOS Medicine, mostrou que uma política de transferência de renda, condicionada a aspectos de saúde e educação, diminuiu em 16% a mortalidade de menores de 5 anos.
A taxa de nascimento por parto cesárea no Brasil é exorbitante e isso impacta no risco maior de morte para essas crianças. Estudo com mais de 17 milhões de crianças, publicado na PLOS Medicine, indicou que o risco de morte para crianças que nascem em cesareana sem indicação é 25% maior quando comparado ao de parto vaginal.
O peso ao nascer e o tamanho de nossas crianças são fatores que também precisam de cuidado. Segundo artigo publicado no The Lancet Regional Health – Américas, 18% nascem pequeninos, fator que fragiliza o desenvolvimento dessas crianças.
Quando se fala em prematuridade, as características socioeconômicas, que resultam das desiguldades, aparecem no perfil das mães desses bebês, segundo artigo publicado na BMC Pregnancy Childbirth. Estudos de observação populacional mostram que a transferência de renda condicionada trazem benefícios para a saúde materno-infantil, conforme pesquisa publicada na PLOS One.
Dengue e Saúde Materna
🦟 Em estudo publicado no The New England Journal of Medicine, mostramos que nossas crianças nascidas na epidemia de Zika tiveram maior risco de morte e não podem ser negligenciadas. Entre 1 e 3 anos de vida, a possibilidade de uma criança com Síndrome Congênita do Zika vir a óbito é 22 vezes maior que uma sem a Síndrome.
🦟 As mães com Dengue possuem maior chance de que seus bebês nasçam antes do tempo, segundo publicação na BMJ Open. Em julho de 2018, publicamos na Scientific Report, investigação mostrando que não somente o bebê está em risco, mas a morte materna é aumentada nos quadros de Dengue.
🦟 Outro achado publicado pelo Center for Diseases Controls and Prevention (CDC) mostra que as mães com dengue têm 50% maior chance de ter uma criança com problemas neurológicos.
🦟 O quadro de Dengue durante a gestação quase dobra a probabilidade de um bebê nascer morto ou morrer durante o parto. Já a dengue severa aumentaria em cinco vezes as chances de um natimorto – nome dado à morte do feto acima de 500g dentro do útero ou durante o parto. O achado foi publicado na edição de setembro de 2017, do periódico The Lancet.
Novas epidemias e pandemias
A pandemia de Covid-19, iniciada oficialmente em 11 de março de 2020, veio para escancarar as desigualdades no enfrentamento das doenças. As vulnerabilidades impactam o direito de viver das pessoas mais pobres, que não puderam se proteger do contato social - seja pelas condições precárias de moradia, ou por ocupar posições sociais que não lhes permitiam o trabalho remoto, assim como pela demora ou insuficiência do auxílio governamental. O Cidacs tem pesquisas e desenvolveu ferramentas mostrando como se dão essas desigualdades.
O que temos de Instrumentos
📊 O Índice de Desigualdades Sociais para Covid-19 (IDS-COVID-19) aponta de forma quantitativa como a pandemia aprofundou as desigualdades, sobretudo regionais, no acesso aos serviços de saúde.
📈 A Pamepi traz o uso de modelagem matemática e cenários preditivos e mostra que o Brasil dispõe de recursos para lidar com processos epidêmicos, se a ciência servir como base para as decisões políticas.
🚨 Aesop - Esta nova ferramenta tem a proposta de um alerta precoce, usando diferentes interfaces de coleta de dados: redes sociais, serviços de saúde e sistemas de farmácias.
Saúde Mental
Estudos populacionais têm mostrado como as condições socioeconômicas impactam na ocorrência de suicídio. Um estudo publicado na PLOS Medicine identificou que o risco de suicídio no Brasil foi reduzido entre os beneficiários de programas de transferência de renda em 56%, entre os anos 2004 e 2015. O artigo foi produzido por pesquisadoras e pesquisadores associados ao Cidacs/Fiocruz Bahia.
Outro estudo da Social Psychiatry and Psychiatric Epidemiology mostra a associação entre políticas sociais e saúde mental, pois quanto maior a taxa de cobertura do Programa Bolsa Família nos municípios, menor a taxa de suicídio.
Podcast 🎧
As relações entre as condições socioeconômicas e o suicídio foi tema de um episódio do Oxigênio Podcast. O episódio faz uma reflexão sobre o fenômeno do suicídio, entendendo-o como um grave problema de saúde pública, que envolve múltiplas variáveis.
Doenças milenares ⌛
Doenças como tuberculose e hanseníase permanecem como problemas de saúde que matam ou incapacitam, sobretudo, pessoas mais pobres. A Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) alertou que, durante a pandemia, os casos de tuberculose aumentaram e é preciso saber qual o impacto desse aumento nacionalmente. E no caso da hanseníase, como será o cenário? Em 2017, aproximadamente, 13% dos mais de 200 mil casos de hanseníase ocorridos globalmente foram registrado no Brasil. É importante lembrar que se tratam de doenças fortemente associadas às condições de moradia, ao acesso a serviços de saúde, e que programas sociais têm efeitos na adesão ao tratamento e em melhores desfechos.
Um estudo robusto, usando os dados do Cadastro Único, mostra como o Bolsa Família impactou na redução da situação de incapacidade em pessoas com hanseníase.
Outro estudo disponível nos Cadernos de Saúde Pública mostra as características clínicas e epidemiológicas da hanseníase no Brasil, no período de 2006 a 2017.
Uma investigação publicada na PLOS Neglected Tropical Disease mostra que a completude do tratamento é desafio, tendo em vista a taxa média de abandono de 5%, índice superior em regiões como Norte e Nordeste.
A tuberculose requer ações específicas para o controle, conforme estudo publicado na Revista de Saúde Pública que analisa a situação dos municípios brasileiros.
Ao pensar na Tuberculose, é preciso considerar os processos migratórios internos e internacionais, conforme pre-print no The Lancet.
Para atuar nos serviços de saúde, a Atenção Primária em Saúde (APS) se mostra eficiente para a redução da letalidade nos casos de tuberculose, conforme estudo publicado na The Lancet Global Health.
⚡⚡Rapidinhas
Engajamento Público 👩🏿🦳👱🏼
O Cidacs/Fiocruz participou de uma ação coordenada com membros do Conselho Municipal de Saúde em uma reunião no Centro de Estudos Afro-Orientais (Ceao/Ufba), nesta segunda-feira (23). A vice-coordenadora do Cidacs, Maria Yury Ichihara, representou o Instituto Gonçalo Moniz (IGM/Fiocruz Bahia), e falou da experiência de pensar ciência escutando diferentes vozes da sociedade.
👉🏽 Saiba mais.
Vigilância em Saúde
O Projeto Aesop será lançado oficialmente durante a 6ª Conferência G-STIC, que será realizada entre 13 e 15 de fevereiro, no Rio de Janeiro. O objetivo do projeto é estruturar um sistema de vigilância capaz de alertar precocemente o surgimento de emergências sanitárias.
🎥 Documentário “Além do Distanciamento”
Está disponível no canal do Youtube do Cidacs o documentário “Além do Distanciamento: diálogos para entender as desigualdades da pandemia de Covid-19”. O produto audiovisual registra o processo de engajamento público da ciência realizado durante a construção do Índice de Desigualdades Sociais para Covid-19 (IDS-COVID-19), que envolveu representantes da área de gestão em saúde, de grupos de comunidades e equipe de pesquisadores. Clique aqui e venha conferir!
Nova Vaga - Assistente de Comunicação 🗂️
O ano começou e o Cidacs tem mais vagas abertas. Dessa vez para trabalhar conosco, na equipe de Comunicação. Temos uma bolsa de assistente de comunicação para uma pessoa com habilidades de organizar, que goste muito de planilhas e formulários e seja capaz de acompanhar projetos e ações da comunicação, construindo métricas e planejamentos. Leia aqui.