Cidacs Informa - Do Setembro Amarelo ao Novembro Negro
Boletim temático do Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs/Fiocruz Bahia) - Edição sobre saúde mental e questões raciais e étnicas
Se a carne mais barata do mercado é a carne negra, parafraseando nossa orixá Elza Soares, quanto vale a saúde mental das pessoas não-brancas nesse país?
Ontem não foi um dia fácil para as pessoas pretas e pardas que nasceram no Brasil. O vinte de novembro, Dia da Consciência Negra, surgiu para marcar a data de assassinato do homem-símbolo da resistência das pessoas negras, Zumbi dos Palmares. Mas hoje também não é um dia fácil para quem nasceu “mais pretinha/o”. Nem amanhã, semana que vem, mês que vem. Lamentavelmente.
O genocídio da população negra brasileira acontece há séculos no Brasil e é camuflado por um sistema estrutural que dificulta o acesso à saúde, às oportunidades, à dignidade, ao futuro. Preta é a cor da pele-alvo, e, no estado mais negro fora de África, a Bahia em que o Cidacs se situa, a polícia militar é a que mais mata em todo o país, e a cor de 94,76% das vítimas escancara a quem. Haja saúde mental para “esquecer” que o próximo pode ser um de nós, um dos nossos.
Estudar os determinantes sociais da saúde, analisando impacto das políticas públicas na população mais vulnerabilizada, como o Cidacs tem feito com excelência, significa também visibilizar os mecanismos que perpetuam desigualdades e geram custos sociais altíssimos para a toda a população do país. E, no contexto dessa agenda, entender que grande parcela da população tem muito mais do que vida ceifada, mas o futuro e o presente, é mais do que urgente e necessário. É prioritário para quem se interessa por um futuro mais digno e próspero para todas as pessoas.
E é nesse espírito que enviamos a nossa Cidacs Informa de hoje, agora bimensal, com um compilado dos nossos estudos e debates sobre Saúde Mental e sobre a questão Raça-Cor na saúde pública. Muito além do Setembro Amarelo. Muito Além do Novembro Negro. Lutar por condições mais dignas de vida e de saúde deve ser pauta de todos os dias.
Um abraço e boa leitura!
Raíza Tourinho
Líder do Núcleo de Comunicação e Disseminação do Cidacs
🎗️ Muito além do Setembro Amarelo
“Falar de saúde mental no Brasil é falar de pobreza, é falar de violência e é falar de desigualdades. E são desigualdades múltiplas: social, econômica, racial, de acesso e de tantas outras”.
Essa reflexão acima foi feita por Daiane Machado, pesquisadora associada ao Cidacs/Fiocruz e Harvard, durante o seminário “Do local ao global: contribuições do Brasil para a saúde mental”, que aconteceu em julho no Centro. Entre os meses de setembro e outubro, lançamos uma série especial do Cidacs Entrevista para debater saúde mental e desigualdades sociais.
O primeiro episódio foi com Vikram Patel, referência na pesquisa em Saúde Mental no mundo, professor e coordenador do Departamento de Saúde Global e Medicina Social da Universidade de Harvard.
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Já Daiane, líder científica do projeto “Impacto dos determinantes sociais e das transferências de renda na saúde mental dos jovens”, uma parceria entre o Cidacs/Fiocruz Bahia e a Universidade de Harvard, recordou a importância de observar o ambiente ao redor de uma pessoa ao analisar questões de saúde mental, destacando também o diálogo do projeto com grupos da sociedade civil.
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Os jovens ativistas Natan Hermínio, artista e residente da ONG Movimentos do Complexo da Maré e Emanuel Baniwa, membro da liderança do Departamento de Adolescentes e Jovens Indígenas Makira, trouxeram discussões importantes no Cidacs Entrevista.
Natan, explicou como a participação da comunidade periférica nas discussões sobre saúde mental é fundamental para alcançar mudanças efetivas. Além disso, destacou sobre riqueza e diversidade na favela destacando o papel da arte, da cultura e da educação dentro das comunidades.
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Já Emanuel abordou sobre a importância da articulação dos territórios para suprir necessidades que o Estado não alcança. Em sua fala, destacou respeito como base e a necessidade de abertura para outros saberes e conhecimentos, pois questiona: como e para quem fazemos nossas pesquisas?
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O último entrevistado foi Jonh Naslund, instrutor de Saúde Global e Medicina Social, onde através das experiências compartilhadas com outras pessoas, John refletiu sobre os impactos, positivos e negativos, que a presença da tecnologia e das mídias sociais podem nos trazer para a saúde mental.
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Todos os entrevistados participaram do Seminário “Do local ao global: contribuições do Brasil para a saúde mental”, em julho de 2023. O evento reuniu múltiplas vozes para debates saúde mental e vulnerabilidades sociais. Clique aqui para relembrar o primeiro e o segundo dia do evento.
✊🏿Precisamos falar de desigualdades raciais na saúde✊🏾
Precisamos nos esforçar para "erguer-nos enquanto subimos". Em outras palavras, devemos subir de modo a garantir que todas as nossas irmãs, irmãos, subam conosco. (Angela Davis)
No mês da consciência negra, o Cidacs Informa atravessa a temática da saúde mental além do setembro amarelo e demarca o novembro negro como uma pauta que excede violências, racismo e os rastros de um contexto colonial que resiste na contemporaneidade. O ideal seria subvertêssemos a lógica colonial da violência e falássemos sobre a potência da negritude, do aquilombamento como tática de enfrentamento das nossas mazelas. Entretanto, como parte de um centro de integração de dados para conhecimentos em saúde, nessa news vamos nos limitar a visibilizar o que temos de ciência contra as desigualdades raciais e étnicas em saúde. Segue alguns dos nossos achados.
📈 Dados raciais na América Latina
Afrodescendentes e Indígenas representam mais de 30% da população urbana da região latino-americana. No entanto, os dados sobre a saúde dessas populações ainda são limitados. Essa análise é trazida no Data Brief "Tornando o Invisível, Visível: Raça, Racismo e Dados de Saúde - Lições de países da América Latina", que tem coautoria das pesquisadoras associadas ao Cidacs Andrêa Ferreira, Dandara Ramos e Emanuelle Goes. A publicação está disponível em português, inglês e espanhol.
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📝 Bullying com base racial e uso de substâncias
De coautoria da pesquisadora associada ao Cidacs, Dandara Ramos, o artigo analisa a associação entre discriminação racial e comportamentos de risco à saúde. A pesquisa buscou compreender a relação entre o bullying com base racial e o uso de substâncias, e foi realizada a partir dos dados da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) de 2015. Os resultados indicam que a prevalência de bullying com base racial aumentou de acordo com categorias raciais associadas a tons de pele mais escuros.
📝 Mulheres negras, pobres e com baixa escolaridade: o “endereço” de quem tem maior risco de câncer de colo de útero e mama
O estudo The intersection of race/ethnicity and socioeconomic status: inequalities in breast and cervical cancer mortality in 20,665,005 adult women from the 100 Million Brazilian Cohort nos apresenta, mais uma vez, uma realidade assustadora: as mulheres indígenas da coorte 100M têm o maior risco de mortalidade para câncer de colo de útero e as pretas para câncer de colo e mama. De acordo com as autoras, a análise da intersecção de raça e nível socioeconômico revelou um aumento de risco de até três vezes mais.
📝 Sífilis e desigualdade racial
Avaliando as desigualdades étnico-raciais a partir de uma perspectiva interseccional, um estudo recente revelou que a sífilis materna e congênita permanecem endêmicas no Brasil. Os resultados ainda revelam que se todas as mulheres experimentassem o mesmo risco que as mulheres brancas, 35% dos casos de sífilis materna e 41% dos casos de sífilis congênita teriam sido evitados.
📝Óbito por Covid-19 na maternidade
Um novo artigo analisa a relação entre raça, maternidade e letalidade da Covid-19. De acordo com os resultados obtidos pelas pesquisadoras Emanuelle Góes, Andrêa Ferreira e Dandara Ramos, o risco de letalidade de gestantes e puérperas pela Covid-19 é maior para as mulheres pretas do que para as mulheres brancas. O estudo levou em consideração dados de 2021 e 2022. Confira o estudo completo.
Raça/cor, condições de moradia e cuidadores: incidência e fatores de risco para tuberculose entre contatos domiciliares
Um estudo com a Coorte de 100 milhões conseguiu identificar uma incidência de tuberculose entre contatos domiciliares 16 vezes maior do que à encontrada na população geral da Coorte. O grupo de pesquisadores encontrou ainda que o maior risco de adoecimento foi aos familiares expostos a crianças menores de cinco anos que possuíam tuberculose pulmonar ou ainda àqueles que se autodeclararam pretos, pardos, indígenas e que viviam em habitações precárias. Clique aqui e acesso o artigo.
A Cor da Minha Mãe
Será que ser criança e estar atravessada pelo fator etnia faz diferença no viver ou morrer? Um estudo liderado pelo Cidacs e publicado no The Lancet Global Health constatou que as crianças de mães indígenas têm 14 vezes mais chances de morrer por diarreia. E entre as de mães pretas esse risco é de 72%, todas elas comparadas com as crianças nascidas de mães brancas. Clique aqui e acesse o artigo.
Outro estudo constatou que mulheres negras possuem 46% mais chances de abortar do que as brancas. Isto significa que para cada 10 mulheres brancas que fizerem aborto haverá 15 mulheres negras, aproximadamente. Leia a matéria completa.
Baseada na Coorte de Nascimento, uma pesquisa buscou identificar qual o perfil das mulheres brasileiras que têm filhos prematuros. Entre os achados, foi identificado que mães casadas, pretas/pardas e mais jovens (entre 14 e 19 anos) possuem mais chance de ter um parto prematuro. Clique aqui e acesse o artigo.
Dores e Direitos
A pesquisadora associada ao Cidacs Emanuelle Góes explicou em seu artigo A Deadly Cycle Inequalities (Um ciclo mortal de desigualdades) publicado na NACLA Report on The Americas especial, que as mulheres pretas são atravessadas por essas duas questões (o gênero e a raça) e que, na pandemia, o racismo e o machismo estruturais contribuíram para que elas fossem as primeiras vítimas letais, ao mesmo tempo em que também foram as mãos cuidadoras nos leitos de hospitais. Clique aqui e acesse o artigo.
#Rapidinhas⚡
→ Homenagem ao Cidacs/Fiocruz Bahia na 17ª ExpoEpi
O Cidacs foi homenageado durante a cerimônia de abertura da 17ª Mostra Nacional de Experiências Bem-Sucedidas em Epidemiologia, Prevenção e Controle de Doenças – 17ª ExpoEpi, do Ministério da Saúde, em Brasília. A ExpoEpi presta homenagem a instituições que prestaram importantes contribuições com o seu trabalho no desenvolvimento de ações de epidemiologia, prevenção e controle de doenças no país.
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→ A convite do Ministério da Saúde, ÆSOP marca presença na 17° ExpoEpi
O Sistema de Alerta Precoce de Surtos com Potencial de Pandemia (ÆSOP) também marcou presença no evento, com a presença do coordenador Manoel Barral. O pesquisador participou do painel “Covid-19: presente, passado e futuro”, no qual pôde falar no contexto de pesquisas científicas sobre o andamento do projeto.
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→ Lançamento da Cidacs Clima
Com o objetivo de investigar os efeitos do clima e do ambiente na saúde das pessoas, foi idealizada a megaestrutura de dados do projeto “Cidacs Clima - Plataforma de Dados Climáticos, Ambientais e de Saúde”. O lançamento do projeto foi no dia 21 de setembro e foi um sucesso de público: dos mais de 450 inscritos, em torno de 200 acompanharam o lançamento ao vivo.
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→ Construindo as bases para o desenvolvimento da plataforma genômica do Brasil
Dos dias 09 a 11 de outubro de 2023, aconteceu em Brasília a Oficina de Trabalho de Construção de Repositório e Plataforma de Dados Genômicos do Programa Genomas Brasil. A realização é fruto de uma parceria entre o Programa Genomas Brasil, a Fiocruz Brasília e o Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs/Fiocruz Bahia).
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📰 Mais Novos Papers
→ Estudo aponta relação entre privação socioeconômica e tabagismo no Brasil
O trabalho apontou que, em 16 das 27 cidades analisadas, houve uma associação entre a prevalência de fumantes e a privação material dos setores censitários.
Através do cruzamento de dados, o trabalho estabelece uma relação entre o tipo de alimento disponível no entorno de uma família e o crescimento fetal.
→ Taxa de suicídio entre indígenas é mais que o dobro da população brasileira, afirma estudo
De acordo com a pesquisa, a taxa de suicídio entre indígenas atingiu, em 2020, 17.57 mortes a cada 100 mil habitantes, mais que o dobro da população brasileira – 6.35 mortes a cada 100 mil habitantes
O estudo identificou a melhora da completude do preenchimento da data de nascimento e das medidas corporais, como peso e altura. Outro achado foi que a preferência por aproximar os dígitos em 0 e 5 para as medidas de peso e estatura, algo comum, foi reduzida em medidas de peso.
→ Estudo aponta que vacinas contra Covid-19 são seguras para gestantes e bebês
O estudo de coorte retrospectivo encontrou a existência de uma proteção leve, mas consistente, demonstrada contra o nascimento prematuro em mulheres que receberam diferentes plataformas de vacinas durante o terceiro trimestre de gravidez.
Expediente
Curadoria e Redação: Walisson Araújo, Mariana Sebastião e Larissa Costa
Edição: Raíza Tourinho
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Até a próxima!